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Crônica: Encontros com o Senhor Medo

Crônica: Encontros com o Senhor Medo

 

Rafael Marques Menezes,

Psicanalista e Diretor da Escola Britânica de Psicanálise

Em meu percurso como psicanalista, tive o privilégio de conhecer diversas personificações das emoções humanas. Uma das mais intrigantes é o “Senhor Medo”. Ele não é uma pessoa, mas uma entidade abstrata, um estado emocional que assume uma presença quase palpável nas histórias de vida dos meus pacientes.

Introduzindo-se sutilmente nas narrativas, o Senhor Medo se assemelha a uma sombra fria e insistente, surgindo em momentos de incerteza. Ele murmura possibilidades de fracasso e ruína, cada vez mais intensamente, trazendo consigo uma atmosfera de tensão e alerta. Essa manifestação leva a uma exploração mais aprofundada de sua natureza e origem, sob a ótica da psicanálise, especialmente influenciada pelas teorias britânicas. Melanie Klein, com suas ideias sobre a ansiedade inerente aos estados paranóides, ofereceu uma compreensão de que o medo é frequentemente uma resposta a angústias profundas, emergindo de impulsos primitivos e de ameaças percebidas à nossa segurança emocional.

À medida que as sessões avançavam, revelava-se que o Senhor Medo tinha suas raízes em experiências passadas, emergindo em momentos de vulnerabilidade. Longe de ser um mero antagonista, ele funcionava como um guardião distorcido, um indicador de antigos traumas e de desejos não atendidos. Aprofundando essa compreensão, Donald Winnicott, outro grande nome da psicanálise, forneceu insights valiosos sobre como o medo se relaciona com a autenticidade do self. Ele destacou o conflito entre a autenticidade e a adaptação a expectativas externas, o que parece alimentar o Senhor Medo, transformando-o em um símbolo dos desafios enfrentados pelos meus pacientes em manter sua verdadeira identidade.

Dessa forma, a análise se transformou em um diálogo com o Senhor Medo. Aprendemos juntos a interpretar suas mensagens e a desafiar suas presunções. Descobrimos que, embora desconfortável, o medo é um convite para o crescimento pessoal, para enfrentar desafios e reconhecer limites pessoais. A jornada com o Senhor Medo foi, portanto, uma viagem de transformação. Ele evoluiu de uma sombra ameaçadora para um aspecto a ser compreendido e integrado. Aprendemos a aceitar o medo, não como um inimigo, mas como um aspecto crucial da experiência humana que sinaliza áreas necessitadas de atenção e cuidado. Este encontro com o Senhor Medo, em meio à prática da psicanálise, reforçou a ideia de que nossas emoções mais profundas, mesmo as mais perturbadoras, têm um papel vital na jornada para o autoconhecimento. Cada emoção, cada medo, traz consigo a oportunidade de entender melhor a nós mesmos e aos caminhos que percorremos na vida.

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